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sábado, 4 de junho de 2011

Eduardo Galeano flagrado na Praça Catalunya (Barcelona)

Este vídeo tem circulado em páginas de amigos meus no Facebook, recomendações do Twitter e tantos outros espaços virtuais, recomendado por pessoas cuja motivação e cujo engajamento político corre pelas mesmas veredas daquelas aqui descritas e defendidas por Eduardo Galeano. Assim como quem fazer parte desse grupo que luta, marcha, escreve, pinta, toca, canta, trabalha, eu posto aqui o vídeo, me abstendo de maiores comentários porque o essencial já está dito, e foi tão bem proferido, que seria chover no molhado e, mais do que isso, seria me transformar no tipo "intelectual" por ele descrito. 

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A garganta seca

Estava tudo bem até aquele maldito momento em que sua garganta havia secado. Nada demais, não fosse a muvuca de alunos esperando alguma palavra, qualquer, sobre Baudelaire. A ironia é que o poeta francês escrevia em ondas sensoriais, como se sua própria voz saísse do papel para aguçar os sentidos e as percepções sensoriais de seus leitores. Esse não seria o resultado da minha palestra. 

Talvez eu até pudesse dar uma embromadinha aqui e ali, sintetizar a fala e deixar que alguns dos slides falassem por si mesmos. A quem eu queria enganar? O último lugar em que eu gostaria de estar naquele momento era naquela sala apertada da faculdade de letras da usp, com o chão coberto de poeira, as paredes de folhas de madeira e a porta rangedora. Olhando aquele ambiente era um milagre que houvesse projetor de slides ou computador, mas tinha. Dos duzentos alunos, caóticamente separados por cadeiras, mochilas, laptops e pencas de livros, apenas 59 prestavam atenção. Os outros de dividiam nas mais diferentes atividades: leituras, conversas, anotações quaisquer, facebook, twitter, celular. Ninguém queria muito estar ali, trancado. Às vezes eu tinha a sensação que as pessoas não sabiam que o conhecimento não era algo adquirido somente dessa maneira artificial e tacanhamente tradicional.

Prossegui com a palestra, mas as pessoas começaram a se levantar, sair com suas mochilas em punho ou celular na mão. Alguns voltavam e tal fato definitivamente não produzia conforto nenhum. Mas, se eles se recusam a ir embora, minha vez de me rebelar. 

- Olha aqui, eu sei que ninguém mais quer saber de poesia, que essas expressões artísticas tem um formato difícil para o leitor comum da atualidade. Mas vocês não são e não querem ser leitores comuns. Se a aula está ruim, saiam. Boa, ela não está. Se estivesse boa, eu estaria respondendo perguntas e promovendo um debate, mas eu fico aqui falando, falando, falando e nem essa madeira velha está me ouvindo mais. 

- Professora? A Sra. dá licença de eu falar uma coisa? - disse um aluno da segunda fileira. - É que todo mundo já trabalhou hoje, teve aula e a palestra é obrigatória. A verdade é que ninguém quer sair para não magoar a sra. e, em condições normais, estaríamos mais interessados, mas o dia foi cansativo para todos. 

- Eu entendo. Eu também não estou no meu melhor dia para dar aulas e palestras. Espero que da próxima vez estejamos, ambos os lados, melhores, para que o canal de comunicação continue sempre aberto. 

A classe começou a se dispersar, imaginando por quê raios tinham ficado para a palestra se ela realmente terminaria daquele jeito. Organizei meu material e estava prestes a sair corredor afora, quando duas alunas me convidaram a tomar um café. Sentamos nas cadeiras de plástico, com cafés e pães de queijo, e conversamos sobre Baudelaire, Mallarmé e Valéry por uma hora e meia. Uma conversa franca, aberta, sem securas ou ranhuras. Uma troca de experiências e pontos de vista. Isso era conhecimento, mas os outros 198 tinham perdido a oportunidade. 



 
 
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