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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Dramas de Verão

Já me falaram que amor de praia não sobe serra, mas essas frases nunca tiveram grande efeito em mim. Já namorei um menino da minha escola depois que a gente começou a se encontrar na Praia Vermelha. É um lugar lindo, você já esteve lá? A praia tem um ar antigo, cercada por árvores, amendoeiras, um clima ainda de preservação ambiental. As ruas são de areia, isso pra mim é o máximo do retrô-chique-sustentável. Dizem que só tem arquiteto por lá, o que é bem possível. Se daquela vez o amor subiu a serra e a gente foi feliz por três meses, dessa vez a possibilidade de dar certo de novo é grande. As cartas me dizem: 70% de chance de dar certo. Acho justo, está chovendo e não tem nada para fazer na praia, a não ser olhar o relógio e buscar respostas nas cartas de baralho. Elas são sempre razoáveis. 

Queria muito que desse certo com o Gabriel. Uma amiga nossa, a Bianca, me disse que ele está de verdade a fim de mim. Sabe, tipo, pronto pra me pedir em namoro. Ele só não disse nada ainda porque está com medo da minha reação e tentando evitar ter que encontrar com o meu pai, ele é bem bravo. O Gabriel é muito inteligente, ele lê as pessoas. Ainda bem que ele já perecebeu algumas coisinhas do meu pai...Ele pode ser bem ciumento com os meus namorados, o Pedro (meu ex) , que o diga. Mesmo assim, eu queria que ele me pedisse logo!

Outro dia estava na praia, esperando a Bianca e o Gabriel chegarem. Eles são vizinhos e estão sempre juntos. Às vezes eu fico com ciúmes, mas só as vezes. Quando eles chegaram estavam rindo de alguma coisa, nunca me contaram o que era. Achei que ele estava um pouco mais distante, mas ele me deu um beijo do mesmo jeitinho de sempre e eu deixei qualquer dúvida de lado. Será que daqui a duas semanas, quando a gente voltar pra São Paulo e ele não tiver que encontrar meu pai todo dia na praia, ele vai ter coragem e pedir logo? 



 

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Coisas de final de ano

Quando meu marido desmaiou vestido de Papai Noel, durante o Natal do ano passado, eu não poderia saber tudo que estava por vir nesses próximos meses. A internação, a recuperação, a fisioterapia, a fonoaudióloga. Tanta gente entrou e saiu da minha casa, cada um com uma receita mágica ou um remedinho santificado por João de Deus, o Papa ou qualquer outra eminência espiritual. Eu, que nunca acreditei em muita coisa, passei a agarrar qualquer fio de esperança que caisse no meu colo. Era fitinha do bonfim, crucifixo do Vaticano, água benta, rosário pra cá e pra lá o dia todo. 

E o tempo foi passando, essas coisas todas viram rotina. A doença vira rotina e a gente se acostuma com a companhia da enfermeira. A única coisa que não me parece natural é ele, deitado, vazio e mudo. As vezes eu converso esperando que ele me responda, mas isso nunca acontece e o buraco vai crescendo. Eu queria que terminasse, porque esse luto está se estendendo sem motivo. Milagre só acontece ao longe, por mais que a fé aqui seja grande.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Urgências

Promessas foram feitas na noite de 21 de janeiro de 1997. Eu não me lembro exatamente quais, mas aparentemente tenho algo a cumprir, e a incerteza só me corrói. Talvez eu tenha prometido ao meu marido cozinhar todas as noites, mas isso é impossível. Chego em casa sem fôlego, buscando ar e descanso. Nem jornal eu gosto de assistir, porque me faz pensar nas porcarias que acontecem pelo mundo: terremotos, escândalos de corrupção, fome, desastre, violência, morte, política, morte. E ainda tem aquele moço que acha que é arauto do caos, vestido de terno preto, clamando contra a desordem e a favor de uma ordem que eu nunca vi existir em sociedade nenhuma, na história da humanidade. 

Posso ter prometido ir atrás de algum sonho que se perdeu no tempo, entre uma mensagem de texto e um tweet. Quem sabe quem eu era 13 anos atrás? O que eu queria ou deixava de querer. Nem me lembro mais. Aconteceu o que aconteceu e hoje estou aqui, na vida pequena, nos detalhes do cotidiano, presa a determinação do que seriam as escolhas lexicais infelizes e correções de postura. 

Um cachorro, eu queria um cachorro. Prometi tomar conta dele como se ele fosse gente, mas ele teve câncer ano passado e tivemos que sacrificar o bichinho. Mas essa não era a promessa principal, acho que era parte dela. Eu preciso saber qual era a promessa, para ter certeza de que ela foi cumprida e que tudo está dando errado não porque eu fui negligente, mas porque assim estava predestinado, fadado a ser.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Vai

Mulher é foda. A gente dá o braço, o drink, faz a noite delas e elas já estão pensando no amanhã. O amanhã não existe, gata! Existe o hoje, o nosso desejo imenso, o ardor de te querer, a surpresa de te ter... Existe o nosso toque suado, a borracha entre as suas coxas. Eu te amo por uma noite e mais coisas não posso prometer, eu mal te conheço. Por que tudo tem que ser tão definido? Não existe receita, defrute enquanto pode. 

Um dia qualquer, quando alguém mexer no meu criado-mundo, vai encontrar uma foto nossa. A mesma foto que você postou no facebook e eu falei que não era para você ter feito isso. Foi um passo maior que a perna, eu tinha acabado de te conhecer. Aquela foto do beijo, lindo. E nós nunca estivémos tão bem quando na noite em que nos conhecemos. Eu queria ter ficado só nisso, mas você tinha um jeito de ir atrás do que queria e me venceu. A gente saiu algumas vezes mais e você foi me conquistando, mas eu ainda não estava pronto para o que você queria. 

Eu ainda vou querer o que você quer. Uma mulher ainda vai mexer com o meu plano de vida só no balançar das ancas. Por enquanto, as fotos no criado-mudo vão se acumulando. Eu quero experiências, aventuras, novidades. Eu quero viver e seus planos me sufocam. 
E você, por que eu? Larga de besteira e vai correr o mundo, eu não sou suficiente para você. Você quer mais do que eu posso dar, não se afobe que outros virão para preencher o vazio. Um dia, quem sabe, dá certo. Promete uma coisa? Promete que não vai fazer o tipo amargurado que desacredita no amor, não combina com você. Você é do tipo que, não só acredita, como vai atrás. Então, vai...

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Um bom papo, uma boa foda

Ele pegou na minha mão, do seu cigarro pendia uma fileira de cinzas, e me olhou demoradamente. Esperava uma reação, uma denúncia qualquer, que não veio. Eu não posso me dar ao luxo de ter reações espontâneas. Tudo é milimetricamente pensado: eu sento no bar, peço um whisky. Ele vai durar a noite inteira, o tempo de alguém chegar em mim e puxar conversa. Eu falo que sou escritora, digo o título do meu único livro, o qual ele desconhece, e quem sabe, se for um gentleman, ele me paga outro whisky. Faço perguntas, gracejos, provoco. Mas isso é muito plástico. 

Eu queria mesmo que, um dia, alguém tentasse me beijar de cara, sem esses papinhos furados, chavecos toscos ou mentiras calculadas. O dia que alguém fizesse isso, eu ia acreditar na sua sinceridade e confiar a minha vida. Como ninguém nunca fez, eu continuo enrolando os homens que passam, batendo os cílios e soltando jargões nos balcões de bar, porque eu sei que é isso que eles querem. Um bom papo, uma boa foda.

 

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Não posso mais nem olhar!

Peguei nojinho. Não consigo vislumbrar mais o que distingue o texto de mim. As alterações foram tantas que não me posiciono como um leitor objetivo, mas sim como alguém subjetivamente imbricado no texto. Mexer mais um pouco implica em fazer uma plástica, colocar silicone, botox e fazer preenchimento de rugas. 

Se algum dia ele quiser me representar, vai precisar estar bem vestido. Chique, simples e delicado. Bem construído, milimetricamente arquitetado, repleto de requintes de bom gosto que  prezam pela acuidade da informação, não tanto pela estética. São usos funcionais da linguagem, voltados para construção precisa do gênero. Não é fazer uma enumeração caótica de referências que só fazem com que eu ganhe respeito dos deslumbrados, mas perca qualidade frente os críticos.Muito pelo contrário, o objetivo é impactar pela concisão. 

O texto ficou duas semanas na gaveta, como quem vive no submundo para poder respirar. Enquanto isso, distraí a todos com um olhar de cansaço pedante, uma cara estóica de heroísmo intelectual. Quem acreditou na palhaçada, mal sabia que sem o texto eu virara bobo da corte.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Grandes idéias, pequenos obstáculos

Outro dia eu podia jurar que tinha tido a idéia da vida, a idéia que ia me valer o best seller cult de uma vida. Mas, como eu não parei o carro para anotar nada, ela se perdeu no arcabouço de rastros de pensamento não concretizados. Tenho muito disso. Ainda nesse ano, numa terça-feira a noite, outra idéia igualmente perfeita me escapou durante a aula de latim.

Decidi que da próxima vez vou estar preparada para esperá-la. Ela vai passar por mim como quem nâo quer nada e eu vou deixar. Ela vai voltar com toda força e eu vou abraça-la, apertá-la, conhecê-la pelo tato e pelo olfato. Depois que eu já tiver alguma familiaridade com a tal idéia, ai sim, ela se transforma em uma breve anotação perdida em um canto de página de um caderno. O próximo obstáculo será reter o caderno no meu quarto. Posso jurar que os meus cadernos são rebeldes e preferem a luz do sol.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O cochicho dos sonhos

Tem um sonho que anda rondando o meu travesseiro, sussurrando coisas no meu ouvido em plena madrugada. Posso jurar que alguém entrou no meu quarto e começou a conversar comigo, eu fico ouvindo umas vozes quando estou sonhando. Tudo meio que se mistura, o sonho plantado, a voz que planta o sonho, o meu sono absurdo. Final de ano é dureza, tem happy hour da empresa, festinha de final de ano de ex-colegas, umas babaquices dessas que a gente prende o sorriso na orelha, usando fio dental, e aproveita o álcool. Dead end.

O sonho me diz que eu preciso fazer uma coisa por mim. Não sei muito bem o que ele quer dizer com isso, tudo que eu faço é por mim. Quem sabe ele está me avisando que eu não posso mais me anular, que eu preciso ter auto-estima forte e brigar pelo que eu quero na vida? Não, não creio que seja isso. Talvez ele esteja transmutando tudo e reafirmando o que eu sou, para que eu me negue. Sabe? Sonho esperto esse. Mas, o mais provável mesmo, é que o sonho esteja me dizendo o quanto amar a mim mesmo está relacionado ao complexo de édipo. Acho que Freud me induziria a chegar a essa conclusão e, em seis meses, estaria curada. 

De minha parte, o sonho que se liche. Ele diz, mas eu nunca escuto.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Verborragia acontece

O que não cabe em mim, transborda para o papel. Bocudice master, funciona como incontinência urinária. Quando eu vejo, o texto já tá no papel, link no twitter. Tudo pronto para ser massacrado. Essa verborragia só faz bem a mim, a pessoa que expele e expurga e lava. E os outros, que se lichem, eles não são o inferno? Meio feio falar isso, mas não é meu, é do Sartre. Ele disse primeiro e todo mundo deslanchou a citar, com nariz em pé e pincé-nez no bolso, cigarro na mão e ar displicente. Blasé. Depois os citadores viraram marxistas, hoje em dia usam a camiseta do Che Guevara e fazem a revolução na universidade, dentro das faculdades de ciências humanas, jornalismo, letras. Se bem que a camiseta do Guevara já virou clichê. De qualquer forma, eu sei que os citadores escrevem seus poemas toscos no moleschine comprado em Paris, no inverno anterior, e falam mal do capitalismo. Um dia eles aprendem que o seu contradiscurso também faz parte do sistema. 


Mas quem sou eu para dizer alguma coisa? Saí desembestada tirando algo de mim e atirando na cara dos outros. Justo uma  jornalista, que aprende que os leitores são tudo e você sempre fala pra eles, senão perde dinheiro, sair falando assim. Tá certo? 

Reformas

Não saberia dizer o que incomodava mais: o barulho das máquinas ou a presença de pedreiros na sua casa. Deixavam marcas nas paredes e ninguém sabia exatamente para quê tanta violência ao marretar as calhas. Tudo em prol da estética e da boa aparência, sabe? Aquele ar de casa cuidada e vida nova. Quem sabe essa reforma toda não fosse como tratamento de canal, a gente tira o nervo mas deixa vivo. Sensível, mas vivo.

Às vezes é preciso transformar para transcender. Que pérola, não? Que eu gostava do jeito de antes, ah eu gostava. A casa era sinônimo de mim e estava tudo uma beleza. Agora eu preciso aprender a ser sinônimo dela, ou me emancipar de uma vez.

 
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