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Desbunde ou Silêncio
Estava lendo a revista da Folha de São Paulo quando vi uma matéria sobre a exposição “Cuide de Você”, de Sophie Calle. Uma proposta no mínimo interessante, mas que tem êxito, e o texto mostra bem isso, exatamente porque toca as pessoas, principalmente as mulheres, naquele ponto emocional latente universal. É quase uma conclamação de que a união faz a força e que as experiências, com as suas sutis diferenças, são na verdade a mesma: a frustração amorosa, o discurso masculino de separação e o que se faz disso. Uma carta de rompimento gerou outras 107 cartas, da exposição, e mais tantas outras manifestações no blog. São múltiplos discursos e interpretações sobre uma carta. Conselhos e confortos oferecidos por estranhos. É uma catarse pública. Uma reação certamente inusitada para um simples rompimento entre duas pessoas.
À parte do afã e do circo de emoções provocado pela exposição, o que está posto ali é, em primeiro lugar, a reação inesperada de uma mulher: transformar em arte ou em uma manifestação artística uma experiência pessoal. Além disso, dar voz primeiramente àquelas outras 107 estranhas (depois de lidas as cartas, imagina-se que sejam íntimas já) para as suas interpretações, já que cada uma delas poderia ajudá-la a resolver uma peça do grande quebra-cabeça do fim.
Enfim, será que essa marketização pessoal dos sentimentos leva mesmo a algum lugar ou seria isso somente mais uma quebra de barreiras entre o público e o privado? Estariam surgindo novas formas de socialização e solidariedade entre as pessoas, já que as visitantes trocam experiências e produzem novos relatos? Será que existe comunicação real quando se escreve e quando se conversa com um estranho sobre uma experiência pessoal ou é tudo um happening, uma ilusão passageira motivada somente pela exposição?
E, bom, para quem leu a reportagem da revista, ficou claro que os monitores da exposição estão cansados de ouvir algumas pessoas irem chorar as pitangas nos seus pobres ombros. Separar a função de conselheiro emocional/ ombro amigo da de informador sobre o processo artístico de composição da obra deve acabar sendo problema delicado.
Há espaço para tudo e, convenhamos, não é porque a artista rompe as suas barreiras que todos têm que seguir seu exemplo. Essa é uma grande verdade e na maioria das vezes as pessoas parecem saber lidar com esses diferenciais de local, pessoas, oportunidade. Mas, será que quando o nó trava no sentimento, de verdade, não existem restrições ou dispositivos que impeçam certas pessoas de cometer a verborragia? Para alguns, talvez o sentimento seja o silêncio profundo. Para outros, o desbunde transbordantemente alucinante. E, de qualquer forma, quando a arte toca e desperta qualquer reação emocional e a própria pessoa não controla a língua, o que fazer, quando era essa a reação esperada? Esperar passar. Haja ouvido, kleenex e paciência.
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